Na semana passada o mercado financeiro passou a precificar juros básicos mais modestos nos EUA no final do ano em curso contando com uma inflação que já teria atingido o seu ritmo mais forte, apesar de terem se auto enganado recentemente.
Entretanto, nunca os economistas e analistas de mercado erraram tanto em relação à inflação; foram poucos que alertaram sobre a pressão sustentada e generalizada da inflação. Por outro lado, Jay Powell tem insistido na meta de inflação de 2% aa, hipótese que colide com uma política monetária mais branda. As bruscas oscilações na precificação do juro básico ao longo de 2022 têm um culpado, o FED com a sua antiga retórica de transitoriedade, um erro que ficará na história, e que fez com que a sua credibilidade tenha se corroído, pelo menos temporariamente.
Este analista tem comentado sobre a sua suspeita de que o FED somente irá parar no meio do caminho no caso de dentes importantes da engrenagem da economia forem quebrados. Charles Gave, da consultoria Gavekal, fez uso de uma alegoria semelhante, mas adicionou uma informação que merece reflexão, além de um longo histórico econômico.
Segundo este veterano consultor, o Federal Reserve está pescando com dinamite. Após a explosão, primeiro na superfície flutuam os peixes menores. Peixes maiores vêm em seguida. Somente quando o maior peixe começar a flutuar de barriga para cima, os investidores devem considerar retornar à água, pois é só então que o FED passaria a nutrir qualquer peixe que reste vivo.
O que nos trouxe até aqui
No verão de 1982, após um período robusto de pesca com dinamite pelo FED pelo então presidente Paul Volcker, o governo do México disse que não poderia honrar a sua dívida externa em dólares. Outros peixes latino-americanos logo surgiram. O colapso da América Latina foi um dos principais contribuintes para o motivo pelo qual o dólar americano se valorizou 48% a partir de 1980 até o seu pico em 1985. Alguns dos grandes bancos não americanos que emprestavam dólares para países latinos de repente se viram em perigo. Assim, em setembro de 1985, as nações do G5 consumaram o Acordo de Plaza em NY, e depois viram o FED conceder swaps cambiais – troca de indicadores para aumentar a oferta de dólares – quase ilimitados para outros Bancos Centrais. O dólar se enfraqueceu vertiginosamente. Aqueles que venderam dólares, entre os quais George Soros que deve ter feito o seu primeiro bilhão, ganharam dinheiro como bandidos.
Em 1997, lembra Gave, vários países asiáticos que haviam emprestado muitos dólares americanos tiveram que apelar ao FMI para honrar as suas dívidas – todos com buracos nas contas externas. No entanto, o grande peixe só veio à tona no verão de 1998, quando a Rússia deixou de pagar sua dívida interna e o Long-Term Capital Management faliu. Em resposta, o FED cortou – em uma das raras reuniões extraordinárias, fora da programação – as taxas de juros e ofereceu swaps cambiais. Aqueles que compraram em 1998 ganharam dinheiro como bandidos.
Em 2007, com uma bolha imobiliária – a mais perigosa porque envolve bancos hipotecários, leia-se risco sistêmico – correndo solta e fomentada pelas taxas de juros nos EUA mantidas muito baixas por muito tempo, o FED finalmente começou a apertar e, em um dos maiores erros da história financeira moderna, o Lehman Brothers foi permitido falir. Apesar dos sinais de alerta, no entanto, somente quando a baleia AIG (uma das maiores seguradoras) emergiu de barriga para cima foi que o Federal Reserve agiu com força – caminhou na fronteira da legalidade – para proteger os peixes que restaram vivos. Aqueles que compraram uma vez que os swaps internacionais estavam em vigor ganharam dinheiro como bandidos.
De volta à situação atual, na Europa
Isso nos leva à situação atual na Europa, que se agravou com a crise do euro em 2011, quando as contradições do sistema monetário da zona do euro – um projeto político – quase derrubaram a Grécia e a Itália. O euro deveria ter desaparecido há uma década, afirma o veterano, permitindo que os países da região voltassem a adotar o câmbio flutuante. No entanto, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, decidiu o contrário e, em vez disso, garantiu que as taxas curtas alemãs permaneceriam em 0%, ou negativas, para que a Itália pudesse financiar seus déficits, preparando a armadilha para o que estava por vir.
Em 2020 a humanidade foi pega de surpresa pelo vírus Covid, e assim foram criados os programas de auxílio aos necessitados, justamente quando a Teoria Monetária Moderna (déficits não importam) estava em voga, tornando a senadora democrata Elizabeth Warren, a mais ardente defensora, a mulher mais feliz do mundo. Não bastasse isso, tanto o FED quanto o BCE decidiram que poderiam salvar todos os peixes da lagoa emitindo moedas do nada.
A inflação está furiosa nos EUA, e o FED tem pouca escolha a não ser apertar agressivamente. Mas se isso acontecer, as taxas alemãs não podem permanecer em 0% (importaria mais inflação com a moeda fraca), especialmente com a inflação aumentando com gosto na zona do euro, onde a taxa média de inflação para os países participantes da região do euro é de cerca de 8%. O problema não é que toda a zona do euro tenha tomado emprestado muitos dólares, mas que a taxa de juro foi mantida artificialmente baixa para manter solventes países problemáticos como a Itália durante muito tempo.
Como tal, a zona euro não sofre de um problema externo, mas sim de um problema interno: para reduzir a inflação, é necessário aumentar muito as taxas de juro. O dilema impossível do BCE é que a recusa em aumentar as taxas fará com que o euro entre em colapso e a inflação suba em disparada, enquanto o aumento das taxas enviará os países fragilizados para uma espiral da morte.
Essa situação ruim traz de volta a pesca com dinamite pelo FED, já que o BCE agora só pode obter alívio se o Federal Reserve parar de jogar explosivos na água, interrompendo o seu aperto monetário. Se o FED não ceder, a Itália, a França e a Espanha entrarão em uma armadilha letal da dívida. Além disso, se um BCE desafiador tentar ficar sozinho e não aumentar as taxas, o efeito será um colapso do euro e um aumento maciço na inflação importada, especialmente por meio de preços mais altos de energia.
Essa situação deixaria efetivamente o BCE à mercê do FED. Dito de outra forma, nesta crise de liquidez, o BCE é provavelmente a baleia, cujo surgimento na superfície finalmente desencadearia uma contrarresposta dos formuladores de políticas dos EUA. Não sei se o BCE será um cadáver sem fôlego nessa conjuntura, ou se será capaz de nadar de volta para águas mais calmas, afirmou Gave.
Por que o FED está sem saída?
Pois exagerou na dose de estímulos em 2020 e agora acabou com seu cartucho. A pressão inflacionária é uma das maiores da história e não é sensato nem provável que o banco central americano socorra o mercado apenas com uma média turbulência no mercado acionário e os elos mais fracos da corrente se rompendo.
Nessa situação, o FED somente poderá usar suas últimas balas quando houver peixes grandes boiando pelo rio. Provavelmente, caso esse cenário se concretize, o estrago no mercado acionário global também já terá sido material.