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A ciência comportamental e seu uso em políticas públicas

O Institute of Government do Reino Unido divulgou um guia sobre os principais fatores que afetam o comportamento dos cidadãos em suas decisões. Foram elencados nove princípios-chave.

Introdução

Os conhecimentos adquiridos pelos pesquisadores da Ciência Comportamental cada vez mais têm sido usados pelos governos dos países desenvolvidos nas políticas públicas. O ex-presidente Obama emitiu uma ordem executiva em setembro de 2015 na qual recomenda que as agências governamentais desenvolvam e implementem programas e políticas governamentais baseadas nas descobertas da Ciência Comportamental, e recrutem especialistas do ramo sempre que for necessário.

A abordagem tradicional assume que as pessoas tomam decisões unicamente mediante a ponderação racional entre os custos e ganhos pessoais. Embora parcialmente verdadeira, baseadas exclusivamente nessa premissa, as agências governamentais têm implementado políticas sub-ótimas. Por exemplo, os cidadãos muitas vezes têm sido bombardeados por campanhas publicitárias com o objetivo de induzir comportamentos que beneficiem a sociedade como, por exemplo, a redução do consumo de cigarros que onera os cofres públicos, pois as doenças decorrentes exigem custosas estruturas públicas para tratamentos de saúde. Entretanto, tais campanhas frequentemente falham em atingir os seus objetivos e, às vezes, causam efeitos indesejáveis, pois pressupõem que os indivíduos são propensos a agir racionalmente.

Segundo o Behavioural Insights Team (BIT) do Reino Unido, a eficácia ao combate à fraude e à inadimplência nos pagamentos de tributos no país aumentou quando o conteúdo das notificações deixou de mencionar complexas legislações e penalidades financeiras decorrentes do ato combatido, e recorreu a mensagens que embutem normas sociais compartilhadas pelos seus pares. Pesquisadores descobriram que as pessoas se sentem encorajadas a agir adequadamente quando o processo decisório não requer complexidade e se baseia no comportamento socialmente aceito pelas demais pessoas.

As autoridades públicas de San Marcos, Califórnia, obtiveram sucesso na redução de 10% do consumo de energia após ter enviado cartas aos residentes comparando o consumo do cidadão com a média local. O conteúdo fez com que fortes emoções negativas compelissem os cidadãos de elevado consumo a seguir as normas sociais respeitadas pela comunidade.

O Institute of Government do Reino Unido divulgou um guia sobre os principais fatores que afetam o comportamento dos cidadãos em suas decisões. Foram elencados nove princípios baseados em extensa pesquisa dos pesquisadores das áreas de psicologia social e economia comportamental. O instituto recomenda que os formuladores de políticas públicas os compreendam e os apliquem adequadamente para atingir os objetivos desejados.

1º princípio – Mensageiro

As pessoas são muito influenciadas por quem transmite a mensagem. Nós somos mais influenciados pelo mensageiro que detém expertise sobre a matéria de que trata a mensagem. Além disso, somos menos receptivos às recomendações transmitidas por pessoas por quem não nutrimos simpatia ou não reconhecemos autoridade. Em um experimento sobre o consumo de cigarros, houve um aumento de 1000% entre adolescentes quando os seus colegas adotavam o hábito de fumar e apenas 26% quando os pais fumavam. Em outro experimento para melhorar os hábitos alimentares de estudantes, o aconselhamento foi mais efetivo quando partiu de alunos mais velhos, previamente treinados por especialistas no assunto, para os mais novos, pois as recomendações tiveram origem em seus pares.

2º princípio – Incentivos

Daniel Kahneman e Amos Tversky já demonstraram em suas pesquisas que as nossas respostas a incentivos são moldadas por atalhos mentais previsíveis, tais como a forte aversão a perdas, superior à atração pelos ganhos. Em um experimento recente sobre redução da obesidade foi solicitado às pessoas que depositassem uma determinada quantia em uma conta que seria entregue de volta com prêmio se o peso, pré-estabelecido em um período de tempo, fosse atingido. Após sete meses houve uma significativa perda de peso devido ao receio de perderem o dinheiro depositado. Por este segundo princípio, os formuladores deveriam enfatizar as perdas advindas de um comportamento que se quer evitar do que a soma que o governo iria poupar com o comportamento adequado.

Estudos mostram que as pessoas dão mais importância a eventos compensatórios de baixa probabilidade do que a teoria econômica sugere. O jogo de loterias é um exemplo clássico em que as pessoas superestimam a probabilidade de um bilhete premiado.

As pessoas tendem a alocar o seu dinheiro em compartimentos diferentes, tais como salários, poupança, despesas, etc. Os gastos sofrem restrições mentais conforme a categoria compartimentalizada e as pessoas sentem dificuldades em transferir o seu dinheiro de um compartimento para outro. As pessoas podem gastar R$ 5 de gasolina no deslocamento para economizar uma quantia menor. Esse viés sugere que os formuladores devem encorajar as pessoas a gastarem ou pouparem deixando explícitos os compartimentos que mais estimulam a política pública desejada.

As pessoas privilegiam um ganho menor no presente do que um maior no futuro. R$100 hoje é preferível a R$ 120, atualizado monetariamente, em um instante distante, porém R$ 120 amanhã é preferível a R$ 100 hoje. Pesquisas sugerem que as pessoas descontam eventos futuros por uma taxa muito mais elevada do que a teoria do homem racional sugere. Este viés é conhecido por desconto hiperbólico. Os formuladores deveriam propor políticas que calibrem os incentivos adequadamente, em tamanho e tempo, para que sejam mais eficazes.

3º princípio – Normas sociais

A teoria econômica enfatiza que agimos apenas pelos resultados favoráveis. Porém, pesquisas indicam que somos também influenciados pelo comportamento típico dos nossos pares quer servem de referência, ou seja, pelas normas sociais. O poder dessas normas decorrem das penalidades sociais para os que as infringem.

Se a norma é aceitável deve-se explicitá-la. Os formuladores deveriam explicitar as normas sociais e o seu grau de aceitação pela sociedade. Por exemplo, em um programa de estímulo do uso de cintos de segurança se deve divulgar um elevado número de pessoas que já adotam esse procedimento, pois as pessoas subestimam o percentual que usam cintos de segurança.

Em um experimento em um hotel em que havia um aviso para que as pessoas reciclassem as suas toalhas para salvar o meio ambiente, 35,1% adotaram o procedimento sugerido. Quando o aviso mencionou que a maioria dos hóspedes reciclavam as toalhas o grau de adesão aumentou para 44,1%. E quando o aviso incluiu a mensagem de que a maioria dos ocupantes anteriores usaram novamente cada toalha a adesão subiu para 49,3%.

Às vezes campanhas que apelam a normas sociais de maneira inadequada pode acarretar comportamentos indesejáveis. O lembrete sobre o consumo de energia de seus pares ajudou a reduzir o consumo excessivo de consumidores como em San Marcos, Califórinia. Porém, em outros experimentos as pessoas com consumo abaixo da média aumentaram o desperdício. Esse efeito foi eliminado com uma figura alegre e triste que transmitiam a mensagem de aprovação e desaprovação, respectivamente.

4º princípio – Escolhas padronizadas

Rotineiramente as pessoas tendem a fazer escolhas padronizadas (default) se nenhuma escolha ativa for feita, mesmo quando as consequências são significativas.

Ventiladores são usados em UTI´s quando os pacientes têm dificuldade de respirar. A potência é calibrada por médicos para ajustar a quantidade de ar nos pulmões e se sabe que esses órgãos podem sofrer danos se a calibragem for exagerada. Um estudo comprovou que a mudança para uma potência menor como calibragem padrão (default) reduziu a taxa de mortalidade em 25%.

5º princípio – Novo e relevante

A nossa atenção é voltada para o que é novo e relevante para nós. Diariamente somos bombardeados por estímulos e, por conseguinte, usamos inconscientemente filtros e âncoras como estratégia para bloquear o excesso de informações. Mensagens que carregam novidade com luzes piscando e na forma de slogans, ou seja, de forma simples e direta, têm mais chances de não serem filtradas.

A simplicidade é importante porque torna a compreensão mais fácil. O poder da ancoragem é forte mesmo que ela seja totalmente arbitrária. As pessoas tendem a rejeitas ideias contrárias às suas crenças e focam intensamente nas mensagens que dão suporte às âncoras (viés da confirmação). Por essa razão os governos devem se posicionar como âncoras – julgo difícil no caso brasileiro – em momentos de situações novas, como mudança do lar, gravidez, etc.

O que é novo fica presente em nossa memória e exerce uma influência maior no nosso julgamento. Um casal que viveu em harmonia durante décadas reterá na memória os momentos ruins que precederam eventual separação. Nós preferimos ir ao dentista que nos deixou 3 horas em posição desconfortável do que em outro que nos causou uma intensa dor por um período curto, mesmo com resultados semelhantes. Isso ocorre porque a dor recente fica retida na memória.

6º princípio – Primeiros estímulos ou impressões

Os nossos atos são influenciados pelos primeiros estímulos ou impressões. O nosso julgamento pode ser alterado de acordo com as impressões obtidas de antemão. Pesquisas mostram que o primeiro contato com uma coisa não precisa necessariamente carregar mensagens subliminares como acreditam os profissionais de marketing. Muitos fatores podem servir como primeiros estímulos, tais como palavras, sinais e odor. As pessoas expostas a palavras relacionadas à velhice tendem a sair da sala mais lentamente. Sinais faciais que expressam felicidade apresentadas às pessoas antes da ingestão de bebidas podem estimular mais o consumo do que sinais com expressão carrancuda. A mera exposição ao odor de um aspirador fez com que muitas pessoas mantivessem as mesas limpas em uma cantina.

A influência da primeira impressão é real e robusta e pôde ser comprovada em inúmeros estudos. Os governos devem procurar maneiras de causar “involuntariamente” primeiras impressões de acordo com a mudança desejada de comportamento das pessoas.

7º princípio – Emoções

As emoções exercem um enorme poder na forma como agimos. As reações emocionais a palavras, imagens e eventos são rápidas e automáticas e podem preceder a compreensão sobre o que as pessoas reagiram, mesmo que sejam contra os seus interesses. Pessoas em momentos de bom humor podem tomar decisões irrealisticamente otimistas e as de mau humor, pessimistas.

Tentativas de incentivar o uso de sabonete em Gana, baseadas nos benefícios à saúde, mas somente 3% das mães fizeram uso após a ida ao banheiro. Pesquisadores constataram que os ganeses somente usavam sabonetes quando percebiam que suas mãos estavam claramente sujas. Consequentemente a campanha provocou emoções negativas ao invés de promover o uso de sabonetes. A campanha foi alterada por inserções de 4 segundos em um comercial de TV de 55 segundos com a mensagem de que a ida ao banheiro contamina as mãos e exige a sua limpeza com sabonetes.

8º princípio – Compromissos

As pessoas tendem a ser consistentes com os seus compromissos tornados públicos a outras pessoas ou instituições. Nós temos a inclinação de procrastinar decisões que nos beneficiam no longo prazo. Uma maneira de aumentar o custo do adiamento é tornar os compromissos públicos que se violados causariam danos à reputação. Uma forma inovadora de combate ao hábito do fumo tem sido o de criar uma conta de poupança para os fumantes que pretendem largar o vício. Mensalmente o fumante deposita durante 6 meses e ao final desse período ele poderá ter o seu dinheiro confiscado se não passar no teste de nicotina.

A reciprocidade – inspira justiça – aumenta a efetividade do compromisso. Os efeitos da reciprocidade podem significar que a aceitação de um presente age como um poderoso compromisso de retornar o favor no futuro. Por essa razão amostras ou testes gratuitos são poderosas armas de marketing.

9º princípio – Ego

As pessoas agem de uma maneira que as fazem se sentir melhores. Quando as coisas andam bem temos a tendência de atribuir os méritos a nós mesmos, mas quando vão mal atribuímos a responsabilidade a outrem. Os profissionais de marketing estão cientes desse viés. Solicitações de donativos para associações de caridade feitas aos homens por mulheres atrativas obtêm mais êxito. Tem sido mostrado que pessoas que recebem o rótulo de eficientes tendem a se comportar como tal para manter o seu ego em alta.

Uma política pública que enaltece a imagem do cidadão poderá ser mais efetiva. 93% dos estudantes universitários norte-americanos se julgam motoristas acima da média. Este viés requer que uma campanha para limitar o número de horas trabalhadas de um motorista profissional, que pode causar danos a terceiros por fadiga, deve levar em conta a autoconfiança dos motoristas.

 

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